sábado, 22 de janeiro de 2011

MEMÓRIAS DE UM PEIXE-BOI: INQUIRIÇÃO POLICIÁRIA SOBRE AS VERDADEIRAS INTENÇÕES DO TEMPO, I





O patrício José Flávio Pimentel (amigos assim não lembra o diabo)teve a fineza de me enviar a fotografia acima, no dia em que o anfíbio na foto do meio perfazia cinquenta e dois anos. Foi um golpe baixo, desferido com a cumplicidade de um antigo colega de universidade, o Luís Serpa, praticante de vogais no blog IN VIVO. Foi quase nocaute, como se contará na saga Memórias de Um Peixe-Boi, que se inicia em rodapé, e profusamente ilustrada, para que não se coloquem duvidas.
A segunda imagem desta série é pois o avatar em peixe-boi da reminiscência aludida na terceira imagem e na primeira imagem, no imenso perigo tubular que se anuncia, começa a narração (quanto ao mistério da senhora grávida a meio da imagem, isso se resolverá depois):


METAMORFOSE


De todo me convinha, ter sido
guarda das pimentas de el-rei
Dom Manuel de Portugal
e que uma alma nédia e fértil
a tal reminiscência me catapultasse.
Porque como sói dizer-se a memória
que não tem um ponto de mira
perde-se na ideia que uma mosca
faz de um pombo, oh lá lá
um porta-aviões japonês. Mas
eis-me de bruços, um pastel
diante do professor de tango
que em três braçadas vence
quatro piscinas, e cismando
nesta partilha de uma quadrícula
de água entre um esbirro basco
(bronzeia-se em off, o ranhoso)
e um tuga nos recantos ociosos
do Hotel Andalucia, em Maputo,
constato que a minha vida capotou
a baixas velocidades. Porque
uma destas noites soergo-me
sem pressa, repetia o meu avô
Henrique, a quem ferrou a embolia
antes de qualquer desforço.
Em que enfermidade comecei
a aceitar o mundo, interrogo-me
na braçada, e em enviesado
alarme ouço o clamor das crianças.
É lastimavel o laço que a ternura
me tramou, o mais ímpio suborno.
Réstia de cicatriz, descosida
do que tão profusamente me abraça,
também eu, prometo, volverei
num cão sarnento em quem
ninguém se queira assoar. E
enquanto vacilo na estratégia
o chouriço da Jade enfia-me
a prótese na glote. Uma batalha
perdida, reflicto, não desfigura
a grandeza, e acendendo-se-me
em candelabro o natural
de peixe-boi, passo a crawl.

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