sábado, 12 de fevereiro de 2011

CESARINY, FIDELIDADE E VENTANIAS

poeta, surrealista e tudo: e tocava piano & falava francês
Um inquinado email recebido leva-me a pastar de novo neste prado. Precisando:
antes que mais grotescos, de pensamento denso como um mal-entendido, julguem que alguma coisa me move contra o poeta Mário Cesariny, por causa do meu post Antinoo ou Ava Gardner/a sexualidade de Pessoa (cf. arquivo abaixo), aqui deixo o que escrevi para ele, quando, em 2006, teve a infelicidade de ir jogar golfe com o Luis Buñuel lá na altíssima paisagem celeste:


QUATRO BARDAMERDAS E UMA HOMENAGEM
AO PASSAMENTO DO POETA MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS

1

1 polegada = 25,4 mm = 0,3048 m
1 jarda = 3 pés = 0, 9144 m
1 milha = 1760 jardas = 1,609 km
1 mão = 68 seios = 34 nádegas orvalhadas

1 Papa = 833 turcos = 400 l de lixívia
1 político = 604 acres mentiras = uma poia de leão
1 surrealista = 48 andorinhas = 4 varandas menstruadas,
lê-se na contracapa do meu caderno novo, verde

de farda, em cuja capa um homem de perfil
pinta um quadro onde se adivinha
um Rochedo que chora o desbotamento

de uma Virgem lixada pela estação das chuvas,
nesta Maputo incrédula que nunca te viu
levitar sobre duas lácteas caudas de piano.


2

Mudada em cisne, desdentada
em nuvem, desarvorada em lume,
desactivada em pólen, destreinada
em água: a memória de Mário

Cesariny de Vasconcelos nunca
traiu. O seu amor nunca se tornou
idoso, a sua poesia nunca se cansou,
ventosa. Até a morrer foi novo,

pois não se lhe conhecem escapadelas
anteriores ao investigativo ido.
Teve medo, como todos nós, mas

nunca traiu a importância das mãos
e da cabeça, e em vários cantos
do globo o seu olhar ressuscita.


3

Puxava do cigarro com mãos trémulas.
O que tinha de chinês estava na ponta
dos dedos, mas era muito. Falava como
uma mulher a dias ciente de ter sido Catarina

de Sabóia, uma bibliotecária naufragada.
Fiava-se mais nos gatos que nos homens
porque um bigode que não viveu
nove vezes nunca seria um cabo da Ponte

de Brooklin. Nas suas unhas, as pulgas
de oiro de Lisboa enfrentavam
o bastante de merda e dissabor,

e nisso foi um homem como poucos,
capaz de estimar que uma couve vale
cem gramas de Platão, ou menos ainda.



4

Um dia, num semáforo, bati
porque ruminava distraído num verso
da Primavera Autónoma das Estradas. 
um dia, numa cama perfurada,

de desejo abstraí-me a pensar
na panasquice que Cesarinny entreviu
em Pessoa e foi-se-me o engodo, a grua
que levantava as hastes sem abrigo.

um dia ofereceram-me um bonsai
que me lembrava o Mário à procura
de ventoinha nos armazéns do Grandela.

Um dia escrevi o Mário é imortal como
todas as Marias que calam o trilo de São
Francisco de Assis no corpo do seu soldado.


5

Até onde mijar possa,
o castelhano – não obstante
os jardins de Jorge Riechmann
e Jenaro Talens -  não será 
a minha língua, nem
o polaco, apesar de Czeslaw Milosz
e de Zbigniew Herbert;
do checo dispensarei os neurónios
abismados em Vladimir Holan
e Miroslav Holub; até onde
mijar consiga, Mario Luzi
e Eugenio Montale serão endemoinhados
fratelli italianos, e negarei
a fusão a Charles Simic,
irmão cigano, poeta
de que rubricaria cada uma
das 21 600 unidades
de respiração ao dia;
até onde pingar a usina
de ácido úrico, Hugo Claus
será o meu gémeo ausente
e Nicanor Parra e Gonzalo Rojas
os primos distantes. Até onde
puder levantá-la
com dois dedos trémulos,
persistirei, como tu, no engano.


FECHOS PARA SONETOS COMPRADOS NA RETROSARIA PIERRE DO COLOMBO

1

Por serem as águas sonâmbulas, o mar
Abstém-se de sepulturas.......................
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…………………………Por serem
As águas sonâmbulas voam águias.


2

Talvez o amor seja o único lugar
Onde os reincidentes não são culpados.
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………………………Talvez o amor
………………………………Talvez…



3

Votre silence escreve a esferovite na vidraça
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Um oximoro por outro, papo, tantos não!


4

Eis um rio que goteja e se precipita
para o alto, em hastes tenras…
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……………………… Eu nado,
nado, e já me ardem os braços.


5

Duma flor colhida à outra oferecida…
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…………………o vento afasta o ar.


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