terça-feira, 26 de abril de 2011

OZO 3/ Tirésias e outros poemas

Hoje descobri, continuando a catar os cadernos para separar o trigo do joio e aliviar a mudança de casa, que ocorrerá daqui a três dias, mais alguns poemas do Ozo. E uma nota onde se referia que o Ozo era professor numa escolha do Bairro do Picapau Amarelo, nos arredores de Lisboa.
Deixo-os em homenagem a Gonzalo Rojas, um grande poeta chileno que faleceu esta noite e que prometo traduzir esta semana, num intervalinho entre arrumos e encaixotamentos.


Ozo

fugaz
zigue-
zague
entre
dois o-
vários,

Ozo

a meio
caminho
entre osso
e buco,

Ozo

a espiga
a-
gramatical,
que amarelece
o olho

Oza-
damente
mozam
biva
lente-
mente
luso:

o ovo.




GLOSA DO POETA MALDITO

O poeta tinha um amante,
o Zarolho, que gostava
de tirar o olho de vidro
e de lho enfiar no cu,
para lhe ciciar ao ouvido:
o meu Tirésias está contigo.



PRAÇA DOS HERÓIS     

Lembrar João e Manuela, serviçais mínimos,
que quinta 22 subiram juntos do 7º
para o 32º no Trinta e Três
e num ápice desatracaram do molhe,
deixando no ar do sorumbático
elevador uma fragância
a sargaços e cueca caída.

Lembrar Marcelino Araújo
que no primeiro dia da independência
decretou, as crianças
a partir de hoje ficam proibidas
de manusear o dicionário,
que é um instrumento colonial.

Lembrar Umbelina, a canhota, que pariu
onde a mixórdia confunde céu e terra,
sem um queixume,
um ciclone de aviso,
compenetrada na fendida massa de sua carne
e nos suores frios com que o cometa
Emanuel lhe dilacerou o ventre.

Lembrar o beirense Ezequiel Chauque
que votou contra a redução das taxas aduaneiras
e se absteve na lei que preconizava o aumento
de honorários dos professores
e manteve o não à lei que previa
uma indemnização para as vítimas das cheias
porque era um deputado da oposição.

Lembrar Noel Kinhassa que se levanta às quatro
e palmilha até às dezassete as avenidas
de Maputo, de cabo a rabo, como palha esquecida
na vassoura, sem vender um cacto.

Lembrar Omega Catembe
que conheceu Custódia no Naval
e sonhou ser guarda-redes do Barcelona
até que ela lhe pregou os chifres
e um vírus e acabou guarda,
em Sommerschield,
da doçura dos indiferentes.

Lembrar Pinto Chauque
que levantou casa de caniço
atrás da gasolineira e a saia
de Rosalina, na mira do fogo
que medrava nela,
persistente como uma unha.

Lembrar “Qual é a Coisa
Qual é Ela?”, que há cinquenta anos
participou da primeira experiência
piloto do napalm sobre um mangal
e que, cega, sem um desmentido,
azarada-sem-um-desmentido,
vende agora cartelas
do Moçambique Dá Sorte.

Lembrar o rústico, desafortunado, Isaías
Macumbe que se queria mineiro
para lolobar com colchão
e chapa de zinco
a galinha choca da cunhada do primo
e acabou catarrado nas Minas do Sétimo Céu.

Lembrar Artur Aparício que escreveu quinhentas
Cartas ao Director no matutino Notícias,
até que saiu a primeira,
a quinhentos e um, e morreu de júbilo,
o coração atropelado por uma bebedeira
com Tentação, o exilir que leva a exilar-se
de miúfa o mais carecido bebedor. 

Lembrar Jacub Mendes Sabonete,
que para ser militante do Partido
decorou a história do Pinóquio
e que mentiu pela última vez na fronteira
quando fugiu com parte do orçamento da câmara
e agora é assessor de imagem no Zimbabwe. 



LEITURA DE BORGES

Interstício
absoluto:

‘é muito cedo
para estar
em casa!’

diz ao celular
a vamp
da mesa do lado.

Ri e respira
como os juncos
que acolhem
felino:

o ouro dos tigres,
peut-être!



A EXPLICAÇÂO DE FILOSOFIA

Em que parte
de Hegel
descruzou ela
as pernas?

Coincidência
da unidade:

não acabo
de me vazar,
centr
ípeto
dervixe,

na sarça
lúbrica
que revoluteia
o ar.



UM HÉRCULES POLITICAMENTE CORRECTO

“Sou eu. Acordei-te? O que tens despido?”
perguntaria hoje Hércules, ao celular
às 3 da manhã, alvoroçado por um sonho
em que - desfrutado o sável
e duas garrafas de Dão - voltava
a desvirginar as 50 filhas de Tespio.

Sorve então um duplo malte
na tentativa de placar as muitas milhas
da solidão, o mito já em saldo.
Nem nos anúncios da benneton
se aconselha 1 macho pra 50
genuínas fêmeas, ou tal se ousa
nos sonhos de Mastroianni.

E então vem-lhe um soluço ao 3º drink,
comichão na já glabra cabeleira:
“cinquenta para um,
e alguma delas gozou”?



PARECER AO S.PEDRO SOBRE O POETASTRO

À minha frente,
com o descaro de um asno
que rumina codornizes
e jura navegar
no encrespamento
de pélvis
da Angeline Jolie

vi O poeta
pôr os olhos em alvo
e a orelhinha oblíqua
num funil invisível
por onde, amaro,

se vazava sopro,
uma cifra iniciática
e exclusiva.

Comíamos
carne à alentejana,
eu no púcaro,
a cismar
no alheamento dele,
de escleróticas
nevadas (vazias?)
enquanto rebolava a carne,
macia, na língua.

Antes míscaros
envenenados
baforava eu – sentido
com o seu ar de tabaco
enrolado por deus.

Poeta?
Deu-me ali gana
de arrependido.



LAGO DOS CISNES

Ser bailarina e regressar
a casa de chapa -
eis onde começa
a metafísica:

não sentir o peso
agoira o voo?

Mas é no rodeio da lingua
do meu namorado
mineiro
que o mundo inteira se refoca:

leva um dia inteiro
a não demorar
um minuto.



UM JOGO BÍBLICO

«À mesa do árbitro, o teu nome
é Repita», vaticina o marido
na sua pureza de apito
e eu, solícito, que ' té
não prescindo da meiguice
do drible, sob a mesa,
faço um pique e en-
cabrito na coxa da mulher.

Ele é dos do ‘«Puerto» e eu,
no assombro de me ver
d' «águia ao peito»,
dou-lhe corda,
«a bola tá torta, pá!”,
e dedilho, sob a mesa,
sofrendo, duplamente
refém - morrer
de empate com tonel
tão a preceito! Melam-se
os apiedados dedos, amém!

Sete anos, sete,  jejuou
Jacob de Raquel, sete anos
frustes, de carneiros,
sem mola, c' as atribuladas
prenhezes da cunhada
a acirrar a inveja dos olheiros
e os sábados, heim,
muito a uisque de sacavém
que era raro o de malte.
«Sete os pecados capitais
e eis o oitavo:», goza a Ester,
brandindo languidamente
a colher que disfarça,
«Não falharás o penalty!».

P'ra depois recolhida,
em devaneio, pôr uns olhos
hidráulicos e fixar
p´ra cima de 1 minuto,
a sacarose, grão a grão,
deglutida. Sobre
sob o creme, em pose,
com-
penetra
da.

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