sexta-feira, 17 de junho de 2011

CARTA A BENJAMIN

DOISNEAU, quando traduzo estou sempre em Paris
Pergunta-me o Benjamin Machado se consegui arranjar editora para a tradução do Israel. Como estupidamente não consigo postar um comentário no meu blogue tenho de responder-lhe assim. E a resposta é: não. A única editora que editaria este livro seria a Assírio & Alvim, onde devo estar no índex, pois nunca sequer têm a delicadeza de responder às minhas cartas, um simples “vá à merda!”.  
Infelizmente, no mundo editorial português não se olha ao texto mas ao nome, e tudo depende de cunhas, dos afectos. Não sei porquê, não faço mesmo ideia, mas não estou coberto por essa benesse. A outra hipótese seria a Cavalo de Ferro, que tem sido bastante descaracterizada nos últimos tempos – pelo menos graficamente já está igual a mais 500 – mas aí não conheço ninguém, condição sine qua non para o envelope ser aberto. O ano passado, a suspensa Cosmorama falou-me do seu interesse em publicar a tradução. Mas faliram antes, e, mesmo que retomem, como já por duas vezes tive lá um livro meu que depois de chegar às segundas provas acabou por não sair (e mais chato, no segundo caso, em 2010, sem uma palavrinha prévia, quando eu me desloquei de Moçambique a Portugal, convencido de que ia haver o lançamento do meu livro Bar La Fontaine) estou um bocado escaldado.
Um caso extremo da estupidez das editoras é o do Henrique Fialho, que tem um blogue com 1500 seguidores, um trabalho notável diariamente exposto como escritor e tradutor, mas em quem nenhuma editora de peso pega (a não ser que ele tenha recusado, o que não me consta) porque afinal eles não vendem livros, unicamente traficam amizades, senão já teriam percebido que o Fialho é renda certa.
Quanto a Moçambique não chega a ter mercado e ainda está numa fase de exaltação das identidades étnicas que não deixa espaço a este tipo de poesia.
Portanto, falando curto e grosso, estou à nora, no que toca a editoras. Por exemplo, neste momento vai sair um romance meu no Brasil que não tem editor em Portugal. Paciência, o que interessa é fazer o trabalho e bem, i. é, indo às cordas treinar as vezes que forem necessárias para o combate sair escorreito e eficaz.
Para além disso, traduzir é um modo de pôr a minha solidão a dialogar, exercício absolutamente necessário para a minha saúde mental numa terra onde não tenho parceiro para a cavaqueira poética. E afinal estamos sempre sós, não é? O que interessa é o que fazemos disso. Talvez cada um de nós não passe de um príncipe que se sonha na sua noite e há que desenhar essas constelações que julgamos ter visto no céu.
Olhe Benjamin, o meu próximo desafio é traduzir Charles Olson e Mark Strand, dois poetas americanos dos anos 60 que me interessam muitíssimo. Não calcula a monção que vai ser.
E, no entretanto, dedico-lhe esta minha versão de um poema de Juan Gelman:
« THE HEARTACHE AND THE THOUSAND NATURAL SHOCKS
quando hamlet agarrou numa flauta e pediu a guildenstern que a               tocasse
e guildenstern desculpou-se     não posso        hamlet
retorquiu        então miserável
não podes arrancar uma nota a este simples instrumento
e pretendes arrancá-la de mim homem interminável
mente naufragada em bestas sucessivas que espreitam pelos meus olhos
e crivam milhões de rostos no meu sangue,
fluindo errantes ou desprendendo-se como desacordadas estrelas
           contra a obscuridade
antes de se fundirem cremosas nos meus abismos
e da sua conflagração me subir à saliva
numa pequena gota acre -  tudo quanto baste ao seu esplendor
e a este rumor velho de séculos que desata a ansiedade
           com que os meus testículos contagiam a noite -
ou quando em mim entro como num tumulto de constelações ainda sem nome
e as contemplo a fugir a entrechocar e a cair desfeitas em cólera
sobrevindo-me uma lágrima tumultuada por tanta crepitação e desastres
não pensas guildenstern não crês tu
que hamlet   elsinore   a dinamarca
a europa a orbe do universo e as galáxias que tremeluzem mais além
são apenas a lágrima de um príncipe que se sonha na sua noite?»

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