sábado, 8 de outubro de 2011

PENETRADO PELA CHUVA

flor garduno


 Namoriscando o livro de Transtromer, de trás para a frente, da direita para a esquerda e do alto para o baixo, com um olho - com o outro olho espreitava as manobras do gato Sebastião sobre o tampo do televisor - deparo com este poema de 1990, escrito três meses antes do poeta ter o AVC que o acostou ao silencio. Arrepia:

EM JULHO DE 1990

De pé, num enterro
sentia que o morto
adivinhava os meus pensamentos
melhor que eu mesmo.

O órgão havia-se calado, e os pássaros pipilavam.
Acolá a cova, solarenga.
A voz do meu amigo mantinha-se
no reverso dos minutos.

Reentrei em casa penetrado
pelo estilhaço desse dia de verão
como são a chuva e o silêncio
penetrados pela chuva.

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