sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

INÚTIL COMO A CHUVA: RENÉ GUY CADOU



René Guy Cadou (1920-1951) foi um excelente poeta francês, ceifado por um cancro na rampa ascendente da carreira. Aqui ficam alguns canteiros, traduzidos por mim, tomados de Usage Interne.  

Aceitaria de bom grado esta crítica sobre a poesia: a poesia é inútil como a chuva.

Há poetas que são como esses macacos que têm prazer em sacudir árvore para lhe fazer cair os frutos, imitando assim o gesto sagrado do homem.

As palavras são como a olaria de renome, extremamente porosa, donde a água se escapa misteriosamente. Tome-se uma palavra e revista-se-lha da matéria inflamável da alma.

O poeta não deve fazer esquecer o homem, mas o homem o poeta.

Alguns poetas não fazem a sua obra senão através dos vidros. Natural que a sua obra nos apareça muitas vezes maculada de caganitas de moscas.

A inspiração é a contra-inteligência do poeta, o agente secreto.

Come a tua mão. Guarda a outra para amanhã.

Escreve-se primeiro para nos conhecermos, depois para nos reconhecermos, enfim para nos desculparmos.

Uma poesia que perde a sua virgindade: é o que está certo Uma poesia que a reencontra: é ainda melhor.

Alguns poetas não vêem na poesia senão um fait-divers, ou uma beleza puramente anedótica. É colocar-se exactamente na situação do ladrãozeco de molas de roupa que marche, as mãos algemadas, entre dois polícias.

Preferirei sempre uma destruição de génio a uma construção comedida.

Ele há sempre um divórcio entre a poesia do momento e o público do momento.

Toda a poesia que corre de raiz lança-se no mar, tende-se a juntar-se ao universal.

Quanto mais o poeta se aproximar da terra mais ele será aéreo, mais ele tenderá a desconfiar da fadiga dos seus músculos.

Uma poesia que não fizer apelo senão à meditação arrisca-se, ao fim de uns anos a patinar no vazio, pois todas as grandes batalhas foram sempre lutas de movimento.

Eu não sou militar de carreira. Eu não me bato por nenhum soldo, por nenhuma patente, por nenhuma pátria.  Nem mesmo pela poesia: eu defendo a minha pele.

O tempo que me é dado, que o amor o prolongue.


4 comentários:

  1. Não conhecia o Autor e fiquei a gostar. Mas estranhei q tivesse morrido aos onze anos e fui ver à Wiki q diz q ele morreu em 1951.
    Um Abraço!

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  2. caro antónio cabrita, não quer traduzir tudo e dar a conhecer cá à malta este poeta? muito bom, realmente.

    um abraço

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  3. ok, benjamin, vou traduzir mais uns aforismos destes e alguns poemas. curiosamente a obra do cadou, felizmente completa, foi-me emprestada pelo raul de carvalho uns meses antes de morrer. 'e um poeta que anda entre o reverdy, o max jacob e o 'eluard, e a quem só a morte prematura adiou a devida consagração. mas ainda escreveu uns dez livros, espalhados por umas 700 paginas...

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  4. eu até o pediria emprestado, mas tenho medo que seja um desses livros assassinos e se mo emprestasse... fico à espera, então, dos aforismos e dos poemas, enquanto darei uma vista de olhos pela net desse "cadeau".

    um abraço

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