terça-feira, 6 de dezembro de 2011

POEMA SOBRE O DESASTRE DE LISBOA


Nunca pensei escrever este poema. Que Deus lhes perdoe:


O primeiro desastre de Lisboa fez rugir a córnea
e desenrolar no rio uma língua bífida
que soldou os escombros até ao Rossio.
O segundo desastre foi o poema de Voltaire.

No terceiro desastre, trinta e oito anos
após a polpa brava de Abril realizou-se:
a Primavera que veio, já se foi.
Entretanto, o país que nunca foi adulto

está a saque – apático, degenerado, seco,
como se a carcaça de Gregor Samsa
tivesse cristalizado a saudade na tristeza
de Pessoa, que acreditara até aqui

ser todo o mineral mais ao menos
planta. Mas, no Portugal actual,
cobre é cobre, mentira é mentira,
pobreza é zebra para Merkel.

E não sobrou réstia de quitina
ao sonho mais esmagado, não restou
uma gota de sangue à Mensagem.
Fora da braguilha, os impostos

impõem o terno que devemos ter no
ataúde, o sotaque predador do inimigo.
Vista de longe, e eis-me ébrio, Lisboa
lembra uma fábula que resiste à morte

dos derradeiros animais que nela
magicavam enredos humanos. E perdido,
de mim, do silêncio, de futuro e filhas,
ponho-me em pontas e danço as lágrimas.

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