Nunca pensei escrever este poema. Que Deus lhes perdoe:
O primeiro desastre de Lisboa fez rugir a córnea
e desenrolar no rio uma língua bífida
que soldou os escombros até ao Rossio.
O segundo desastre foi o poema de Voltaire.
No terceiro desastre, trinta e oito anos
após a polpa brava de Abril realizou-se:
a Primavera que veio, já se foi.
Entretanto, o país que nunca foi adulto
está a saque – apático, degenerado, seco,
como se a carcaça de Gregor Samsa
tivesse cristalizado a saudade na tristeza
de Pessoa, que acreditara até aqui
ser todo o mineral mais ao menos
planta. Mas, no Portugal actual,
cobre é cobre, mentira é mentira,
pobreza é zebra para Merkel.
E não sobrou réstia de quitina
ao sonho mais esmagado, não restou
uma gota de sangue à Mensagem.
Fora da braguilha, os impostos
impõem o terno que devemos ter no
ataúde, o sotaque predador do inimigo.
Vista de longe, e eis-me ébrio, Lisboa
lembra uma fábula que resiste à morte
dos derradeiros animais que nela
magicavam enredos humanos. E perdido,
de mim, do silêncio, de futuro e filhas,
ponho-me em pontas e danço as lágrimas.
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