segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

COTÃO NO UMBIGO DE ZEUS

meu deus, como sou feinha!


As cigarras não se calam, é um coro que extenua o mais pintado. Que goelas são estas que valem por um vitral?

Estou sentado na esplanada duma das avenidas de maior tráfego de Maputo, e sobrepõe-se este canto ao dos carros, engoma-lhe os colarinhos. A péssima canção que os ecrãs de plasma emitem, sobre as cabeças, é também cilindrada pela ladainha dos insectos, tão antiga como os extintos dinossauros.

Se eu quisesse enlouquecer deus enfiava-lhe à nascença uma cigarra no ouvido até os tímpanos vomitarem aquelas sílabas de bronze.

Um dos mitos gregos mais terríveis – enfim cada um tem o estômago que pode – é o de Titono, o marido de Aurora, que pediu a Zeus que lhe desse a imortalidade. Mas esqueceu-se de pedir também a eterna juventude. Assim Titono foi envelhecendo até que o encarquilhamento do corpinho se lhe tornou insuportável. Aí, por compaixão, a Aurora transformou-o numa cigarra.

O desfraldar da cigarra equivale então a uma estrela negra onde se concentram a massa, as vivências, espectativas e desilusões, do imprudente Titono. Cotão no umbigo de Zeus.

Ou não teria umbigo, Zeus?
As cigarras não respondem e acabo por comprar uma cautela.

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