Vladimír Holan (1905-1980) é um poeta checo, considerado por muitos o expoente da poesia checoslovaca do século XX. Homem solitário e intransigente foi proscrito durante muito tempo pelo poder pró-soviético que governava o país mas nunca desfaleceu como «homem da sombra e da meditação metafísica», e nem a famosa Primavera de Praga o recuperou, apesar do Prémio Nacional que lhe concedeu, sendo lendárias na cidade a sua associabilidade e a luz acesa na sua janela, devido ao seu incessante labor nocturno.
Claro que o poder é que quis quebrar o ostracismo a que o tinha votado, depois da ressonância internacional que lhe deu o longo poema Uma Noite com Hamlet, mas ele continuou a estar absolutamente nas tintas para prémios e reconhecimentos e, inabalável na sua pobreza orgulhosa, em pleno coração da sua cidade, manteve-se recluso até à sua morte.
Os portugueses conhecem um pouco esta “ocultação incurável” com o caso de Herberto Helder.
Neste meu “exílio” uma das boas ideias que tive foi trazer quatro antologias de Holan, um mestre nas “harmonias atonais”, que repetidamente revisito. Estes poemas, de que apresento versões, colhi-os num dos seus principais livros, Dor, que tenho na excelente tradução de Clara Jánes para espanhol e na francesa, da Gallimard, de Dominique Grandmont.
Em sentindo-se o homem perdido,
está perdido para tudo o que
acontece aos demais
e ao que a si mesmo acontecerá.
E assim, danado, escreve uma
carta e no envelope,sela-a e sublinha: Abrir depois da minha morte!
Mas estar perdido e resistir
e ter a lua sobre o livro e a
noite banhada pela leitura,
não saber de onde nem como,e não estar só mas estar perdido, perdidamente,
como se a própria dor em conúbio com o alheio
engendrasse um terceiro coração…
SEM TÍTULO II
Com o coração quebrado, o poeta escreve sobre isso neste mundo,
neste mundo que só por desídia escuta histórias
de aventura e distância
que, cínico, desconsidera, depreciando até o assombro…
até que lhe nascesse ao canto dos olhos um eclipse da lua
e nós ficássemos como se antes da execução
ela nos tivesse vendado os olhos…
Em cada livro há também um lugar
onde adoramos pecar. Não é sempre
um amor desgraçado.Sim, sei que até do sangue sai fumo…
Sexo do livro… Mas os sonhos não se explicam…
Duas vidas, um instante, a plenitude, a felicidade…
No quinto andar ela saiu e eu, que continuava,
compreendi que nunca mais a veria,
que aquele encontro fora de uma vez para sempre,
e que ainda que a tivesse seguido o faria como um morto,
e que se ela se tivesse voltado para mim
já só o poderia fazer desde o outro mundo.
Na encruzilhada põe-se uma mão a tremer.
Também a morte tem os olhos maiores que o estômago.
Na única sombra, que lembra o golfo
de uma boca afundada num seio feminino,
há uma víbora bem preparada,
como uma mecha de dinamite
nas rochas calcárias de Beroun…
O canto dos galos… A alba abre a
cancela…
Por elas se deixa ver a
melancolia que nunca nos abandonaE oferece com uma mão a paixão,
Com a outra o sofrimento…
E pensaste tu que te tinham
esquecido!
Chuva sem árvores… O feno húmido …
Abertura do gás… Nuvem frita na
frigideira da lua…Piscadelas… Intermitências… Desaparição das formas…
Espantoso que não tenham tropeçado no carrinho de mão
do cemitério…
- “Agrado-te?” – Sim, sim...
- “Amas-me?” – Não.
Também aqui em baixo há separações violentas de amantes
só para que o tempo se acelere
com o latido dos corações.
Sem comentários:
Enviar um comentário