domingo, 8 de julho de 2012

AO BALCÃO DE UM BAR DESCONHECIDO



Rafael Argullol é um brilhante ensaísta, novelista, poeta e professor de estética, catalão, com mais de vinte livros publicados. Tive a sorte de, há cerca de 15 anos, me ter atraído um título, o seu «El fin del mundo como obra de arte». E nunca mais deixei de o frequentar. Sempre que um amigo vai a Barcelona cravo-lhe um Argullol, e até agora (vou no quinto) são todos diferentes, nunca sei exactamente o que vou encontrar quando abrir o livro. Foi o que de novo aconteceu com «El Cazador de Instantes/ Cuaderno de travesía (1900-1995)» que me mandou o Valério Romão. É um livro de aforismos. Aqui deixo alguns:


Não podemos prescindir da imortalidade. É a melhor droga contra o cansaço.


O pensamento pode permitir-se um amplo leque de hipóteses. O sentimento só pode ser um príncipe ou um escravo.


Pode-se sempre abjurar facilmente de todas as verdades recebidas, face à presença de uma mentira plena de amor.


As nossas ideias acerca da humanidade informam-nos, na realidade, sobre nós mesmos. Primeiro, quando somos grandiloquentes, entusiasmamo-nos por ela; logo, convertidos em misantropos, odiamo-la; finalmente, já indiferentes, excluímo-la do vocabulário. Evoluímos, nós, e não a humanidade, que nunca foi senão uma palavra que só serve para denunciar a nossa idade espiritual.


Numa cidade estrangeira, ao balcão de um bar desconhecido, conversando com um estranho que dentro de minutos desaparecerá, sem vontade de voltar ao hotel e com toda a noite por diante: a liberdade é sempre inquietante, e assim tem que ser.


Não devemos evitar as feridas que nos produzem certos pensamentos cortantes como facas: um espírito curtido está inevitavelmente cheio de cicatrizes.


Os bárbaros nunca existiram. São unicamente sintomas do terror que uma civilização alberga no que respeita a si própria.


A ressaca é o preço que devemos pagar pela provocatória barriga cheia de certezas que manifestamos durante a bebedeira.


Tédio: sei que acontecem muitas coisas mas não sinto que nada esteja prestes a suceder.


Não creio em nenhum deus. No entanto, para esquecer-me completamente do divino teria que vir algum deus convencer-me.


Não há gente menos recomendável do que a que alardeia continuamente a sua identidade. Esses fanáticos não só creem que as suas choças são palácios  como também estão sempre dispostos a cavar uma tumba sob os pés dos incrédulos que os advertem sobre a sua confusão. 

Sem comentários:

Enviar um comentário