segunda-feira, 23 de julho de 2012

ICEBERG II: OS TRISTES TÓPICOS DA EDUCAÇÃO


É sempre pior do que se calculava. É como se alguém quisesse experimentar de tal modo a elasticidade da rede que o iceberg cai pelo buraco da malha. Instaurou-se uma ordem indubitavelmente demencial na relação entre o lucro e o “saber” nas instituições universitárias, pelo menos em Moçambique, que fez de qualquer ensino uma caricatura.
Sou contratado para dar um semestre intensivo, em 24 horas, porque o professor anterior baldou-se. Nas primeiras três aulas não aparece nenhum aluno. Na quarta aula aparecem dois para combinar comigo outro horário, porque afinal ainda não acabaram o semestre em todas as disciplinas e estão com aulas e exames e, justificam-se, não lhes é possível seguir o ritmo diário que me fora pedido (- que ritmo, se ainda não apareceram a nenhuma aula, pergunto eu). Ficamos em duas aulas por semana. Aparecem três, quatro alunos. Numa aula com seis alunos (uma excepção), meto-os a ver uma excerto de Tempos Modernos, do Chaplin, para lhes explicar o que é conflito, e o que seja uma narrativa cinematográfica e como evolui. Quando acendo a luz, três dormem e os outros têm uma expressão de agonia, incrédulos por terem sido obrigado a ver um filme mudo, a preto e branco. Calculo o que teria sido se os tivesse obrigado a ler Homero.
À oitava aula dou teste. Aparecem 12. Metade não entendeu sequer o enunciado. Mas pedem, porque não dá já o professor as fichas e fazemos o segundo teste e acabamos com isto… Acertámos em fazer um trabalho: eles estão lá para o canudo e não para aprender.
À aula a seguir ao teste, ontem, ninguém compareceu. Estão à espera que eu mande o tema do trabalho para o email da turma para me mandarem depois por correio electrónico o dito cujo, escusando de frequentar as aulas até ao seu termo. Entretanto, os testes estão naturalmente uma nódoa; e os trabalhos não melhorarão o quadro.
Nunca estive numa situação em que tão claramente me sinta um verbo de encher numa rota do transatlântico direita ao iceberg. A esperança deles é que a malha da rede esteja tão lassa que a massa de gelo tenha afundado. Eu não creio nessa virtualidade: deve ser de ter estudado.
No fim pagam-me 500 dólares e lavarei as mãos como Pilatos. Estão a tirar o pipo ao país, quanto mais rico mais idiota, mais vazio. Acho que vou voltar a emigrar, desta vez para o Brasil.




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