terça-feira, 30 de abril de 2013

DUAS ENTRADAS PARA O PURGATÓRIO

Decidi ler em voz alta com a Luna, de 9 anos, O Diário de um Banana/ A última gota, terceiro volume da série, e ao fim de 50 páginas estava absolutamente agoniado. Acho que somos pais de uma irresponsabilidade absoluta ao deixar que esta série medíocre inunde como um quiasma a percepção das crianças sobre o mundo.
O Greg é o anti-Mafalda e a exasperante adaptação ao princípio da realidade, pior, é o desejo dela.
Nas histórias de fadas havia sempre um castelo que estava encantado durante cem anos e que abria e revivescia quando alguém prenunciava a palavra decisiva – e toda a existência, o olhar sobre as coisas, mudava nesse instante.
Quando eu lia o Príncipe Valente, o caudal contemplativo pausava o ritmo da acção, que era repleta de perigos, armadilhas e prodígios, mas que levava o herói a condutas permeadas de valores e do sentimento de que vida é uma conquista indissociável do sentimento de partilha e da necessidade de superação. Nada era inexorável e irreversível – dependia do esforço e da dedicação dos protagonistas.
A Mafalda era o aprendizado da crítica nas relaçãos interpessoais e a desmontagem ideológica no quotidiano, e recebíamos isto com 10 anos, 11.
O Banana é o elogio da cobardia, da resignação, da sacanagem, do esquema, da trivialidade, do humor rasteiro de um mongo. O Greg é um cabrãozinho tão satisfeito com a sua absoluta disfunção que nem a roer as unhas é bom. Faz lembrar um palestiniano cujo único sonho fosse varrer bem as escadas de um “falcão” israelita. Tudo isto disfarçado com um tom paródico, que bebe na auto-ilusão da personagem: “bom, o problema é que não é fácil para mim pensar em formas de me melhorar porque já sou, basicamente, uma das melhores pessoas que conheço!”. O melhor que se consegue aqui é deste calibre: «Felizmente a Mãe não falou do meu boletim de notas durante o jantar. E, quando a Avó disse que precisava de sair para ir ao bingo, fui com ela. Fugir ao Pai não foi o ÚNICO motivo para ir ao bingo com a Avó. Também fui porque precisava de uma forma garantida de ganhar dinheiro».
Humor perfeitamente construído e um herói realisticamente construído…” escreveu-se no The New York Times, sobre este Greg, que é a mais medíocre das criaturas e faz da sua pequenez, do seu mínimo esforço, da sua esperteza de manga d’alpaca modelos para a vida.  Bardamerda.
Já vendeu 325 000 exemplares em Portugal. E nós alheamo-nos ou distraidamente (sem lermos) achamos graça porque é o anti-herói, etc., as tretas do relativismo. Renovo o bardamerda.
Pior. Descobri que somos governados por fãs do Greg Heffley, não só no governo, mas também na oposição. Que o mundinho português está cheio de Bananas para quem o Greg é um ídolo.
No outro dia ouvi no Ziguezague, o programa para as crianças na RTP, o folião do animador incitar as crianças a um trabalho criativo. E dizia: “ Então, que esperas para começar? Não vai ser uma obra-prima, mas não faz mal…!” Faz mal e muito e nós é que desaprendemios de acreditar e nivelamos tudo por baixo.
Tão por baixo que até a gala de anos do Ziguezague, este fim-de-semana, apesar de tudo, foi mais inventiva do que a miserável gala dos 50 anos da RTP, há umas semanas, escrita e conduzida pelo inefável La Feria. O que até é lógico, porque a perpetuação da pueralização redunda na idiotia.
 
 
Fui hoje tratar do DIRE (BI para estrangeitos em Moçambique). Mais uma sangria – 400 euros anuais moem no “capital” de um professor universitário. Mas pela primeira vez foi um processo simples, sem complicações. Mercê de estar casado com uma moçambicana. Dantes, já estava casado mas não tinha “o papel” – e foi o inferno. Começo a desconfiar que a minha ida para o Céu, directamente, por não ter os pecados do peculato, da usura, da ganância, da avarícia, do adultério (nem esse, Senhor!), da pedofilia, da soberba, de alguma excelsa perversidade, etc., não está segura. Que não basta ser boa pessoa, e terei de me casar com a Igreja. Porra, vou procurar saber os regulamentos da entrada no Purgatório.
 
 

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