terça-feira, 21 de maio de 2013

O SEXTO FODA-SE E O QUINTO CIGARRO

                                               Síria: o quinto foda-se e o terceiro cigarro

«A Shakespeare devemos tudo, afirma Johnson, querendo dizer que Shakespeare nos ensinou a compreender a natureza humana. Johnson não chega a dizer que Shakespeare nos inventou, mas identifica o verdadeiro teor da mimese shakespeariana: “A imitação produz dor ou prazer, não por ser confundida com a realidade mas por trazer a realidade à mente”. Acima de tudo um crítico empírico, Johnson sabia que a realidade se altera, na verdade, realidade é mudança». 
Mais não se pode ler aqui – Harold Bloom - do que a evidência de que a realidade é uma “actualização” da dor ou do prazer, e não uma imitação da sua antecedência.
Não há álibi freudiano em Shakespeare, a frustração de Lady Macbeth não é precedida por nenhum descompensação “eléctrica”, eles – os personagens de Shakespeare – transformavam os efeitos em causas.
Ah, que bom, trazer a realidade à mente!

 
E DIGA-SE FODA-SE! TRÊS VEZES

Morreu a Fátima,
moça d’olhos piscos
e tímida, que se fazia
um pouco amarrecada,
mas de sorriso largo
como um chicote.

Teria vinte e muitos,
talvez trinta na omissão.
Fora a Londres e voltara,
o seu maior erro,
além do coração.

Mal a conhecia, servia-me
copos e provocava-me
“Não se pode ler tantos livros
e ser decente!”,
e tinha razão:
preferia ser médico
ou, inadvertidamente,
mágico. Por que raio,
depenadas as pedras,
temos de ser trágicos,
se podíamos ser mágicos?

Morreu a Fátima
e apesar de ser justo
que o país permaneça
incólume não colaborarei
em tal constrição.
E como lembraria o raio
que ontem a liquidou
no cerne da sua razão:
nenhuma traição é soluta!

 
«Haja ou não deuses, deles somos servos», escreveu Bernardo Soares, e parece-me uma coisa tremenda! Também Diógenes, explicava Hegel, dentro do seu estreito tonel, era prisioneiro do que pretendia repudiar, porque, enfim, há úteros e úteros, e só a posteriori tornamos os moldes em que nascemos grandes ou pequenos… Mas lembro aqui, por último, como Prometeu não resistiu a trocar a sua mortalidade com a imortalidade de Quíron, o centauro… que abdicou de ter uma eterna pena de si… Esperem, volto a página e surpreendo a atordoadora simplicidade com que Deus se convoca, também pela pena do Soares: «Deus é o existirmos e isto não ser tudo».
Vou no quarto Foda-se! do dia. Enfim, mesmo a um não crente isto obriga a puxar de um cigarro.

  

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