terça-feira, 4 de junho de 2013

DE NOVO A SAGEZA E A LETRA ÉLE

                                                                  Catrin Welt-Stein


Eu tinha escrito:

Tapar todos os buracos de uma vida
Pode custar-nos a vida
E desligar-nos dos breves lampejos
De silêncio em que sob a laje a erva se empolga.

Voltar atrás, fazer entalhes
No remo ao invés de o meter na água,
Torna inúteis as sementes de cravinho
Enfiadas pela criança na fechadura do castelo


O Paulo José Miranda, do seu Brasiu profundo, devolveu-me:

Tapar todos os buracos de uma vida
Custa a vida
Desliga-nos dos breves lampejos
De silêncio
Em que sob a laje a erva se empolga.

Voltar atrás,
Retroceder braços aos remos
Inutiliza as sementes de cravinho
Plantadas pela criança na fechadura do castelo

Estava o Paulo em febres e olhou para o poema com o seu viés metalúrgico forjado em Paio Pires e, truca, e zás, mudou umas peças à engrenagem.

Ficou a coisa muito melhor. Explico porquê:

limpar os verbos compostos melhora sempre; personalizar os infinitivos melhora sempre; enxugar as articulações melhora sempre (que estava ali a fazer o “ao invés?”); com a mudança proposta os primeiros versos tornam-se mais universais e descem depois ao particular com a partícula verbal, vaivém que a versão anterior não tinha; a mudança de “enfiadas” para “plantadas” (chamando as coisas pelos seus nomes) concretiza melhor o absurdo da acção

– enfim, o Paulo poupou-me tempo.

Esta questão do tempo na poesia é importantíssimo, como dizia a Margarida: o tempo esse grande escultor, etc. O tempo reduz as coisas ao que é, dá-lhes o lanho próprio. A ilusão de partilhar as coisas em tempo real – nos blogues, no facebook – não deve retirar-nos a lucidez para compreender que só o tempo actua no tempo e imprime as mudanças que são necessárias a cada talhe.

A velocidade é o maior inimigo da arte.

Podemos é aceitar o outro como acelerador do tempo. Ou nós somos capazes de autoscopia e reduzimos o intervalo de latência entre a feitura do poema e a nosso desafecto emocional, conseguindo então olhá-lo rapidamente com um gume objectivo e topar de imediato onde as articulações rangem –

ou então, uma solução pode ser o olhar de outro, atento.

Não um outro qualquer, um outro em cujo gosto e acerto técnico confiamos.

Uma espécie de guilda.

Para que isto possa acontecer e aqui, sim, a sageza pode ser útil, é necessário que, como me observava ontem o cineasta Sol de Carvalho, que as pessoas deixem de competir umas com as outras, mas compitam antes consigo mesmas, para se melhorarem.

Então, desinteressadamente, estarão em condições de discutir as formas e de aceitar aquilo que interessa para melhorar o que quer que seja que se esteja a fazer – sendo aí o mais importante o texto e não o ego.

Raras pessoas são infelizmente capazes deste diálogo.

Contava-me o (TREMENDO) poeta João Pedro Grabato Dias que uma vez houve um poeta português de renome que lhe perguntou se ele havia gostado de um poema dele ao que o Grabato respondeu, Gostei tanto que já incorporei!, tendo o outro ficado abespinhado. Eu adoraria que o Grabato me incorporasse.

Adorei ser incorporado pelo Paulo.

Entretanto, acabo de desiludir a minha filha Jade, de seis anos, que me pediu, tens de dizer o mais rápido que possas todas as palavras que souberes com a letra éle… o que me deixou de imediato bloqueado (fui sempre lerdo neste tipo de jogos)…

Mas por que raio não me pediu ela, tens de dizer o mais devagar possível todas as palavras com a letra éle?

Aí talvez eu tivesse hipóteses…


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