quarta-feira, 10 de julho de 2013

O MIRADOURO MURILO, COMO DURA!

O único desgosto que Murilo Mendes (1901-1975) me deu na vida foi informar-me que René Char detestava Michaux. De resto, com as suas mãos repletas de milagres, sempre me encantou. É, com Jorge de Lima, o meu ‘béguin’ brasileiro. Não há hipóteses de jogar à defesa com ele, ainda agora abri ao acaso uma página e saiu o seu “retrato-relâmpago” de Homero, que termina assim: «O vento analfabeto atira-lhe pedras». E fica-se desdentado de saber que uma imaginação assim é rara. Para o parafrasear, quando a gente acorda de bom humor é sinal de que está em Murilo.
 
TEXTO DÉLFICO
 
(fragmentos)
 
Nas sandálias da manhã o pássaro sem poeira.
 
O povo dá à fantasia o que o povo não lhe dá.
 
Acontece que os deuses mandam discar um número, mas o telefone está ocupado: outro recebe a chamada.
                                                                             
Ao largo do horizonte circulam águias: “os deuses pegam-nas como moscas”.
 
Os deuses passam o passado e o presente a reconstruir fragmentos do futuro.
 
Tenho fome de pedras, diz Rimbaud. Sirvam-lhe fragmentos do Parténon, mesmo requentados. Ou de qualquer outra pedra anónima, ainda fria, de Delfos, Delos ou não.
 
O grande oliveiral olhiverá? Já que olhiviu a paz.
 
A silenciosa aguardente dos deuses.
 
Os deuses jejuam de pão e tudo mais. Menos de metáfora.
 
A cem metros de qualquer ponto está o Oriente.
 
Os deuses vingam-se dos homens, morrendo.
 
A glória do diamante impede a borboleta de dormir.
 
O agouro, agora na ágora, agrega os agressores.
 
O oráculo não tem pés.
 
Tomar o remo em qualquer parte – inclusive no mar.
 
As sombras de vez em quando perdem-se umas das outras.
 
O cérebro do cérbero, caos latindo.
 
O sol visto ao microscópio esperneia.
 
As esferas dormem. Os triângulos vigiam.
 
Bebi da vida. Suportei dos deuses. Acrescento-me da morte.

Sem comentários:

Enviar um comentário