segunda-feira, 9 de setembro de 2013

ENTREVISTA A UM POMBO CORREIO SOBRE O MUNDO MINERAL

Em 1012 o Diogo Vaz Pinto e a Inês Dias dirigiram-me uma série de perguntas sobre “poesia e crítica” – perdi o enunciado que me enviaram – para um volume que incidiria precisamente sobre a relação entre esses dois patamares do universo da escrita, mas cuja publicação se gorou. Aqui ficam as minhas respostas.
1
Eu apareci cedo mas amadureci tarde, o que condicionou o modo como fui lido.
Fui para muitos um “champignon de route” do Al Berto, editado por ele em 79, e quando publiquei o meu primeiro livro “sério”, em 97, o Al Berto tinha morrido.
Pelo meio, andei pelos jornais, assisti a muitas mudanças, e já toda a gente estava farta do meu nome quando me meti verdadeiramente à estrada.
Daí suspeitar que poucos conhecem realmente o que escrevi. Acresça-se a isto o facto da maioria dos meus livros serem literalmente invisíveis (tenho que ir à bruxa).
Antes de 97 não conheci qualquer “fortunata crítica” e era justo. Mas tinha feito amigos: a Maria Velho da Costa, com quem escrevi vários filmes, o Herberto Helder, o António Barahona, o Grabato Dias, o Fernando Assis Pacheco, o Hélder Moura Pereira (eu andei sempre com os mais velhos), o Virgílio Martinho, entre outros.
O eco deles fez-me insistir na minha «poesia esquisita» (FPA). Só tinha que robustecer. Engordei então 20 quilos e passei a ter uma voz pletórica como a do Orson Welles (brinco).
Quando o António Guerreiro, a Maria João Cantinho, o João Barrento, o Urbano Tavares Rodrigues, o Eduardo Prado Coelho, escreveram sobre mim aí eu já tinha encetado o meu erro, pelo que não tiveram qualquer influência.
2
Só um best-seller pode mensurar os seus efeitos. Além disso vivo fora, literalmente, e nunca estive ligado a grupos ou ao empenho de gerações. O meu percurso tem sido solitário e dividido as opiniões, e já é tarde para me preocupar com isso. Aliás, neste momento há quem goste mais de mim como prosador do que como poeta. Why not?
3
Andei sempre levemente desconectado. Porque só acredito em coisas decantadas. Mas, a partir de 2005 e do livro Piripiri Suite, escrito já em Moçambique, sob o choque de uma erosão sobre homens, paisagens e ideias, como nunca imaginara existir, algo me roeu o luxo das metáforas, e tornou-me mais descritivo, aproximando-me de um certo modo mais próximo ao da geração de 90.
Mas continuo a pensar que preferia ter sido Michaux ou Ted Hughes a Phillip Larkin.
Neste momento, os poetas a que dedico a minha atenção integral são dois indianos: Lokenath Bhattacharya e Sujata Bhatt, um marroquino Abdelatif Laâbi, e um belga flamengo, Hugo Claus.
E acho que, no Brasil, se está a publicar excelente poesia na net. Já deram conta de Maira Parula?
4
Comentar a poesia exige um despojamento descoroçoador. É mais fácil arranjar uma grelha de conceitos e dois ou três tutores, que configurem uma sensibilidade, e, em nome de uma pertinência auto-legitimadora, aplicá-la. Fica meia costeleta fora do prato, nesta técnica de Procrustes, e nota-se um tal cuidado em «não caluniar as aparências» que fica por responder a questão central, a que Sócrates coloca a Fedro: se a verdade viesse de um carvalho, de uma pedra, nós aceitávamo-la?
Terá a poesia pouco a ver com a questão da verdade? Talvez, mas, paradoxalmente, não pode deixar de atender a esta pergunta.
Penso que, na “demanda” crítica, renunciamos demais aos acontecimentos e às singularidades em nome dos afectos, do conforto, da chantagem da “camaradagem”. Raras vezes a crítica não confirma a derrota do humano. Portanto, sim, a crítica é parcial, tendenciosa, protege uns em detrimento de outros por razões que não se prendem à qualidade do texto e, sendo difícil exigir que não seja assim – pois, perguntava Shakespeare, podem com sangue ser os homens diferentes? -, convém que alguma lucidez vá periodicamente corrigindo a mão.
5
O último serviço de pombos-correios que existia no mundo fechou as portas em 2001, na região de Orissa, na Índia. Não sei se ganhámos, se não fomos amputados de um certo tipo de imaginário. O mesmo se coloca com a música, gostar só de música pop, ou rock, e não ouvir música clássica ou erudita, não é uma mera questão de gosto mas de amputação de amplitudes na sensibilidade musical. Nas edições, neste momento, como em tudo, tende-se para a estereotipia – não é só a rejeição da poesia mas também a de um determinado tipo de prosa que se verifica. Hoje o Rabelais, o Sterne ou o Machado de Assis não teriam editores, são excessivamente digressivos e tanto vocabulário ofende a paciência do “leitor médio”. Cabe-nos reagir.   
6     
Estamos submersos numa saturada permuta com “o real” e algum excesso de cinismo e de conformismo recheou de “aporias” o poema. Do que pode resultar que “o grau de realidade” poética se meça pelo grau de trivialidade, de tédio, e vice-versa.
Nestes moldes a poesia servirá pouco o agir humano.
À melancolia, por exemplo, há ainda quem a aguente?
Tão sedutor como improfícuo, o lado de grande bazófia desconstrutora em Wittgenstein que contaminou tudo.
E vale ainda a poesia? Enquanto for capaz de trazer novas inquirições julgo que terá um papel social inigualável pois a poesia para mim é como a fotografia para o Bazin: algo que terá talvez mais a ver com o mundo mineral do que com a cultura humana. E aquilo que assim nos interpela nunca se despede.      
 

2 comentários:

  1. És um amor. Grande beijo e obrigada pela força.

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  2. Meu caro amigo, em vez de 'o facto da maioria dos meus livros serem literalmente invisíveis (tenho que ir à bruxa)' deveria ler-se 'o facto DE A maioria dos meus livros SER literalmente INVISÍVEL (tenho DE ir à bruxa)'.

    Tanto palavreado de pedante e dá erros destes?

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