quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

PORTRAIT OF A ROMANTIC

Portrait of a Romantic, foto de Alice W R


Shirley Temple, a actriz que soube retirar-se
antes de se tornar uma criança malsã
e de Hollywood a clonar como a febre dos fenos,
feneceu hoje, fanada pedra de isqueiro.
Lembro-me de a ver sapatear a preto
e branco e dos olhos envidraçados
da minha mãe, assim que no pequeno ecrã
acudiam os seus cachos de caracóis
que para dona Isabel seriam dourados.
Ele via na pequena estrela americana a infância
que lhe foi roubada, e hoje sobre a campa
de minha mãe florescerão os miosótis.
Vou compondo este poema estrada fora
enquanto a tempestade me segue há duas horas
com maligna perseverança e o coração
se me aclimata, diferido, melancólico.
As colunas, depois dum festival de didjeridu,
que me fez vibrar no sangue aborígena
a pulsação das estrelas, derramam agora
Portrait of a romantic, de John Surman.
O passado é o futuro que me esculpe,
na estrada que as sombras do presente incandescem.

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