domingo, 30 de novembro de 2014

O ENIGMA DA SALSA





                                                   para o Helder Macedo, que faz anos

Deitado na banheira de água quente, tamborilo no ar os dedos dos pés e beberico um Martini, enquanto o meu olho direito percorre oblíquo um parágrafo de um belo livro de Gabriela Bal, “Silêncio e Contemplação/ Uma introdução a Plotino”, e o olho esquerdo pensa em sexo. E vem a minha mulher interromper-me o viés epicurista.
- Não te demores, preciso de ti para ires comprar salsa…
Morreu-me logo ali a leitura. A salsa é para mim um dos maiores enigmas que o mundo abarca. Diria mesmo que é quase irresolúvel, pois não a distingo do agrião. Já várias vezes a queixosa me esfregou com o focinho nos respectivos odores, mas eu não guardo memória olfactiva (já viram a minha sorte?) e, sendo tão habilidoso a distinguir um galgo de uma couve-flor (a propósito, diz o Mário Quintana que a hortênsia é a única couve-flor verdadeira, e eu anuo), sou falho na identificação da salsa. Nem o tipo de rendilhado da folha me safa, para mim um selo distingue-se pela estampa.
- Nenhuma das miúdas pode ir… - pergunto, inocente.
Os meus olhos-moles embatem na bigorna do olhar dela. É pior que não saber dançar um tango argentino.
- Depois, danças comigo a valsa? – disfarço.
Nenhuma piada tem efeito ao domingo de manhã. Sou invadido pelo pesadelo que terei esta noite:
Depois de uma longa ascese chego de bicicleta aos plainos da Inteligibilidade Amante que, como toda a gente sabe, desde Plotino, têm a forma dos anéis de Saturno, com um bordo interior e outro exterior. Mas lá vou, pelo circuito dos velocípedes, cantarolando os desdobramentos necessários a que a Presença Silenciosa do Um me fale. E vou deleitado, ou perdido, na contemplação do Núcleo, ou da Realidade Última, ou do Mac"Epifanic" Hamburger, como quiserem os meus amigos, embora pedalando com a humildade que me aproximará da Coincidência onde todos os meus músculos serão embebidos pelo informe Princípio.
E descortino a meta. Porém, de repente, a bicicleta estaca. Pedalo em vão.  E à minha frente ergue-se Plotino, de sobrolho assanhado como um Adamastor.
Antecipando-me, afligido pelo talhe titânico, pergunto, trémulo:
- Os ácaros têm orgasmo?
Imediatamente me recrimino pela frivolidade da questão. Felizmente ele não me parece ter ouvido, e pergunta-me com uma estranha voz de celofane vermelho:
- Quem és tu?
- Eu…- replico, triunfante – eu sou Tu!
- Ai sim… - atira impassível, enquanto tira um ramo de salsa do bolso – então, o que é isto?
Sou ainda percorrido por um choque eléctrico quando a minha mulher volta à carga:
- Meu caro, as pataniscas aguardam pela tua iniciativa.
Ah, meus caros amigos, as putativas… o que me pélo por abraçar os grandes desafios.  




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