segunda-feira, 25 de julho de 2016

ESCRITOS NA VARANDA: IMPERMANÊNCIA



Uma vez em casa do poeta Joaquim Manuel Magalhães vi-o riscar com sanha uma palavra que a editora havia impresso ao fim da página de rosto do seu belo livro Segredos, Sebes, Aluviões, enquanto vociferava contra a impertinência da “sentença” intrusa.  A palavra era “impermanência”. Bom, o Joaquim era então um pequeno deus e eu um candidato a oficiante, teria ele menos dez anos do que os que conto nesta altura. Já na juvenília da veterania autorizo-me a pensar que, mesmo nos melhores de nós, além da soberba há vezes em que também nos sobra a imprudência.
Lembrei-me desta história depois de ter escrito o poema que se segue, no intervalo de uma dessas pesadas tarefas que impõem uma mudança de casa. Resolvi descansar uma hora e levei para o café uma antologia do Milosz. Foi no confronto com este magnífico polaco que se verteu o poema:

«IMPERMANÊNCIA

As estrelas exumam a luz
do fundo do seu próprio abismo.
Pestanejam e salta o tigre.

É infindável o núcleo das estrelas,
vive na ponta dos seus raios,
na transparência com que o felino

trespassa as suas presas,
alumbrando-lhes a carne e os ossos
- como a palavra, sentada

num grão de pó, lhes parece
agora saturada! A energia
que as estrelas despendem

neste esforço é a mesma que late
no teu coração, amor, e insuficiente

é o nosso fôlego para retê-lo.

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